Uma nova estratégia com a terapia inovadora CAR-T Cell se mostrou promissora em estudos iniciais para o tratamento do glioblastoma, o câncer no cérebro mais letal. Nos testes, a abordagem diminuiu os tumores de tamanho em 62% dos participantes, quase dois terços. Embora ainda não tenha conseguido curá-los, a terapia representa um avanço para a doença, cuja sobrevida hoje é inferior a um ano.
Os resultados são da primeira das três etapas dos estudos clínicos necessárias para que um medicamento seja aprovado para uso pelas agências reguladoras. Os testes foram conduzidos por pesquisadores do Centro de Câncer Abramson, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e financiados pela farmacêutica Gilead.https://d-15562801661677949020.ampproject.net/2505022142002/frame.html
Os dados foram publicados ontem na revista científica Nature Medicine e apresentados no congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, da sigla em inglês).
O CAR-T Cell é considerado hoje uma das imunoterapias mais promissoras contra o câncer. Nele, as células T, que fazem parte do sistema imunológico, são retiradas do paciente e alteradas geneticamente para reconhecerem o tumor específico daquele indivíduo. Em seguida, as novas versões são reintroduzidas no paciente.
Com isso, o próprio sistema imune passa a atacar o câncer. A estratégia tem levado diversos casos de leucemias e linfomas que não tinham mais alternativas de tratamento à remissão. Para esses tumores, já existe aprovação do CAR-T Cell, inclusive no Brasil.
Para tumores sólidos, no entanto, ainda não há uma versão que tenha se mostrado eficaz. Mas diversos estudos têm sido conduzidos, especialmente contra tipos agressivos que contam com poucas opções de tratamento, caso do glioblastoma.
Ele é o tumor cerebral mais comum e letal, com expectativa de vida média de 12 a 18 meses após o diagnóstico. Mesmo com o tratamento, o câncer volta a crescer em praticamente todos os pacientes.
Para aumentar as chances de o CAR-T Cell funcionar contra o glioblastoma, os cientistas americanos desenvolveram uma estratégia nova que tem como alvo não uma, mas duas proteínas comumente encontradas nos tumores cerebrais: o receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) e o receptor alfa 2 de interleucina-13 (IL13Rα2).
Além disso, as novas células T modificadas foram inseridas no paciente diretamente no líquido cerebrospinal por meio de uma injeção.
No estudo, 18 participantes que tinham a doença de forma recorrente passaram por cirurgia para remover o máximo possível do tumor e, em seguida, receberam a infusão da terapia. Como resultado, de 13 pacientes que ainda tinham pelo menos 1 cm de tumor remanescente após a operação, 8 (62%) tiveram uma diminuição no tamanho do tumor com o CAR-T Cell.
“Ver tumores recorrentes de glioblastoma encolherem dessa forma é extraordinário, porque os medicamentos de imunoterapia que tentamos no passado não conseguiram fazer isso. Antes do ensaio, muitos desses pacientes tinham tumores que estavam crescendo rapidamente, e o tratamento mudou a trajetória da doença deles, o que é muito significativo”, diz o pesquisador principal do estudo, Stephen Bagley, professor de Hematologia-Oncologia e Neurocirurgia na universidade, em comunicado.
A terapia, no entanto, ainda não conseguiu levar os pacientes à cura. Os tumores voltaram a crescer após um a três meses na maioria dos pacientes. Ainda assim, os cientistas destacam que dois deles (11%) permaneciam vivos e com doença estável há mais de 6 meses e, de 7 pacientes que tiveram pelo menos 12 meses de acompanhamento, 3 (43%) ainda estavam vivos após um ano.
Em um deles, o câncer permaneceu estável, sem crescimento tumoral, por mais de 16 meses, apesar de ele apresentar doença avançada e crescimento acelerado no momento da inclusão no estudo. Os pesquisadores também encontraram sinais de que a terapia permanece ativa no sistema imunológico, ajudando a prevenir o crescimento do tumor ao longo do tempo.
“Esses resultados reafirmam que estamos no caminho certo com nossa terapia de alvo duplo e que temos um bom modelo que podemos começar a aperfeiçoar para obter resultados ainda melhores. Períodos de estabilidade, quando os tumores encolhem ou não crescem, melhoram muito a qualidade de vida dos pacientes. Nosso objetivo é aperfeiçoar o tratamento para que mais pacientes experimentem resultados mais duradouros”, afirma Donald M. O’Rourke, diretor do Centro de Câncer Abramson.
No acompanhamento final do estudo, a equipe planeja administrar mais doses da terapia para verificar se a repetição prolonga o tempo antes que os tumores voltem a crescer. Além disso, com base no perfil de segurança observado nos testes, os pesquisadores conseguiram determinar o nível máximo de dose tolerada para seguir para as próximas etapas dos testes clínicos. Na fase seguinte, a ideia é incluir pacientes com diagnóstico recente, explica Bagley:
“No momento em que o glioblastoma recorre, ele já se tornou ainda mais desafiador de tratar, e o paciente já passou por muita coisa. Estamos esperançosos de que, ao avançar rapidamente para testar essa terapia com CAR-T Cell em pacientes recém-diagnosticados, o câncer seja mais vulnerável ao tratamento e mais pacientes se beneficiem”.